Em termos de doença oncológica, podemos dizer que o linfoma, ou câncer linfático, é daquelas com maior incidência, que tem aumentado no mundo inteiro a uma taxa de 4% ao ano.
O que caracteriza os linfomas é uma produção anormal e descontrolada dos glóbulos brancos, mais especificamente dos linfócitos, produzidos nos gânglios linfáticos ou linfonodos. Em uma situação normal, nosso corpo é capaz de reconhecer um invasor (como uma bactéria, por exemplo), promover uma reação inflamatória no local da infecção, deixando a região quente e avermelhada, e produzir de forma organizada os linfócitos para que realizem a destruição do invasor. Isso leva, muitas vezes, ao aumento do tamanho dos gânglios, que se tornam dolorosos e são conhecidos como íngua. Os linfócitos produzidos nessas situações de infecção se originam a partir de inúmeros linfócitos diferentes, sendo denominados policlonais, isto é, vários clones de linfócitos diferentes reconhecem o invasor e se multiplicam para o ataque. Essa proliferação em resposta a um agente agressor possui um controle bastante rígido, e quando a infecção é debelada, a multiplicação cessa, os gânglios reduzem de tamanho e tudo volta ao normal.
No linfoma, os linfócitos perdem o controle sobre sua proliferação, perdem a capacidade de comunicação com o organismo e passam a se multiplicar indefinidamente. A característica é que usualmente basta um único linfócito descontrolado para que o linfoma seja iniciado, num processo denominado proliferação monoclonal, em que todos os linfócitos se originam de um único e mesmo linfócito. Os gânglios também aumentam de tamanho, como nas infecções, mas ao contrário, são indolores e não há sinal de inflamação, com regiões avermelhadas ou quentes no corpo. E não desaparecem com o tempo.
Em geral os linfomas não estão associados à infecção. Porém, nos casos de infecções crónicas, em que o organismo exige a proliferação dos linfócitos por um longo período de tempo, essa multiplicação aumenta as chances de mutação no DNA dos próprios linfócitos, aumentando as chances estatísticas de um linfoma. Em outras palavras, se ocorre uma mutação em um linfócito, ele pode perder a capacidade de controlar sua proliferação.
Os linfomas constituem um grupo complexo de doenças - mais de 30 tipos ao todo - diferenciados de acordo com o tipo de mutação genérica ou do tipo de alteração que o linfócito apresenta. A definição clínica, no entanto, considera três grandes grupos:
1. Os de baixo grau, também denominadas lentos ou indolentes, em que os gânglios dobram de tamanho em certa de seis meses, um ano. São mais comuns em pessoas idosas.
2. Os de Alto grau ou rápidos, em que os gânglios dobram de tamanho em dois ou três dias, como o linfoma de Burkitt ou linfoblástico, que ocorre em pessoas jovens.
3. Os de grau intermediário, que dobram de tamanho em cerca de um mês.
Diagnóstico
Quando um gânglio persistente e indolor é identificado, é necessário que seja realizada uma biópsia, que irá identificar os tipos de células presentes no gânglio. Se na biópsia for encontrado um único tipo de célula, sugerindo uma origem única ou um clone, fica sugerido o diagnóstico de linfoma, mais especificamente do tipo não Hodgkin. Se a biópsia mostrar a presença de células de Reed com infiltrado de vários tipos de glóbulos brancos pode-se dizer que é um linfoma tipo Hodgkin.
Colorações especiais podem também diferenciar se as células são originarias de linfócitos B ou linfócitos T , e a imunohistoquímica auxilia a diferencias os linfomas do tipo Hodgkin dos não Hodgkin, estes últimos sendo geralmente CD20+. Outros estudos mais específicos visam determinar o tipo de metabolismo das células.
Todas essas informações auxiliam na decisão pelo tipo de tratamento a ser adotado, e têm auxiliado a entender melhor porque apenas metade dos casos responde bem à quimioterapialinfomas reagem de forma diferente à terapêutica e, dessa forma, entender a fisiologia dessas células irá auxiliar a compreender a doença como um todo e a desenvolver tratamentos específicos para cada caso.
Exames complementares
Depois da biópsia e da confirmação do diagnóstico de linfoma, exames complementares, como tomográficas, raio-X e ultra-som, além do exame físico minucioso, serão necessários para que seja possível estabelecer o estagio de desenvolvimento da doença, ou sei estadiamento. Usualmente, nos linfomas do tipo Hodsgkin, os primeiros gânglios a surgir são os do pescoço, após o que seguem uma seqüência característica com desenvolvimento de gânglios no mediastino, na axila e no abdómen, atingindo o fígado e a medula óssea nos estágios terminais da doença (veja quando dos estadiamentos). Nos linfomas do tipo não Hodgkin a progressão é mais caótica, não obedecendo a uma seqüência de acometimento ganglionar.
Tratamento
Qualquer que seja o estadioo da doença, o tratamento consiste na administração de quimioterapia, complementada ou não pela radioterapia. A diferença com os demais tipos de câncer é que os linfomas geralmente respondem bem à quimio, mesmo para pacientes em estágio avançado (estágio IV) da doença.
Estadiamento dos linfomas tipo Hodgkin
O acometimento dos gânglios segue uma seqüência característica e progressiva, de tal forma que o estádio II inclui o estádio I, o III inclui os estádio I e II, e finalmente o IV, que inclui todos os estádios anteriores.
· I apenas uma cadeira ganglionar comprometida, geralmente no pescoço.
· II duas cadeias ganglionares comprometidas do mesmo lado do diafragma, isto é, na região torácica.
· III acometimento também da região infra-diafragmática, com gânglios peritôneo.
· IV acometimento do fígado e da medula óssea
Esses 4 estagios devem ser acrescidos das letras A e B
*A paciente sem febre, emagrecimento ou sudorese noturnos
*B paciente com febre, emagrecimento e suores noturnos
No entanto, alguns tipos de linfomas que se apresentam de forma semelhante, não reagem da mesma forma às mesmas drogas. Graças aos avanços da biologia molecular, hoje é possível diferenciar e definir o porquê dessa diferença de resposta à quimioterapia; na verdade, esses linfomas são diferentes do ponto de vista molecular, pois expressam genes diferentes.
Para a escolha da melhor estratégia quimioterápica é fundamental que a biópsia estabeleça se o linfoma é do tipo Hodgkin ou não Hodgkin, pois há pequenas sutilezas na escolha das drogas a serem utilizadas, bem como forma de aplicação.
Linfomas e Leucemias
Os linfomas não devem ser confundidos com as leucemias, que são câncer da medula óssea (leucemia mielóide) e do sangue (leucemia linfóide).
Ad drogas atualmente utilizadas, como o Mabthera, são capazes de reconhecer uma molécula presente apenas nos linfócitos, o CD20, se ligar a ela e destruir as células que a possuem. Esse tratamento, além de eficiente, traz poucos efeitos colaterais, pois destroem apenas os linfócitos, não promovem a queda do cabelo e nem debilitam a pessoa.
A esperança é, no futuro, conseguir fazer um diagnóstico mais preciso ainda, afim de desenvolver tratamento biológicos específicos para aqueles pacientes que não respondem bem à quimioterapia.
Paulo Cardoso de Almeida
O papel do patologista:
Como pode ser depreendido do artigo acima, os linfomas são canceres do sistema imunológico. O sistema imunológico é aquele que faz com que organismos ou substâncias estranhas ao nosso corpo sejam identificadas e destruídas. O processo pelo qual isso acontece é muito bem estudado, extremamente complexo, e envolve uma adaptação progressiva das células envolvidas para que possam se se especializar em atacar o "inimigo" presente.
Em qualquer uma das fases desse processo adaptativo, essas células podem perder seu controle de reprodução e se tornarem cancerosas. Por isso mesmo a classificação dos tipos de linfomas é um dos assuntos mais discutidos de toda a medicina, e vem sendo modificada sistematicamente ao longo dos anos.
A classificação precisa do tipo de linfoma é feita por um patologista. É extremamente difícil, mesmo para patologistas experientes, e depende de muitos métodos auxiliares para sua orientação ou confirmação. No entanto, a terapia a ser escolhida é baseada nessa classificação e o tratamento pode ser ineficaz se o diagnóstico não tiver sido o correto. Por isso é comum, em nosso Laboratório, recebermos para revisão casos de outros hospitais de São Paulo, alguns deles grandes e renomados, cujos diagnósticos foram imprecisos. Após a correção do diagnóstico, o tratamento mais adequado pode ser determinado.
Doutor em Patologia - FM-USP
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